Na madrugada de há vinte anos, o governo chinês mandou os tanques para a praça de Tiananmen e esmagou um movimento de protesto liderado por milhares de estudantes e intelectuais, contra o autoritarismo e a favor da democracia e economia de mercado. Ontem, ao mesmo tempo que anunciava o investimento de 2,2 mil milhões de dólares no banco norte-americano Morgan Stanley, o governo mandou as forças de segurança patrulhar a praça de Tiananmen - um dia depois de ter mandado bloquear sites na internet e redes como o Twitter e o Flickr.
Assim se mede o grande paradoxo do pós-Tiananmen na China - a agora potência económica e maior financiadora dos Estados Unidos continua a ser liderada pela mão firme do Partido Comunista Chinês, numa mistura entre iniciativa privada, capitalismo de Estado e autoritarismo político.
"Não foram só os estudantes que perderam em 1989. O grupo liberal no topo da hierarquia política chinesa, que permitiu que os estudantes tivessem chegado tão longe, foi afastado e nos últimos 20 anos tem sido o grupo tecnocrata e conservador a dirigir a China", indica ao i Miguel Monjardino, especialista do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. "Mas o grande paradoxo de 1989 é que a facção mais dura, em vez de fechar o país e acabar com as reformas económicas, abriu a China ao exterior por razões altamente pragmáticas", acrescenta.
O pragmatismo chinês - "não interessa de que cor é o gato se caçar o rato", é a máxima do então líder Deng Xiaoping - tem-se traduzido nos últimos 20 anos num contrato implícito entre o Partido Comunista e os cerca de 1,3 mil milhões de chineses. "Alguma repressão política a troco de grande crescimento económico", aponta Monjardino.
Os resultados têm sido espectaculares na frente económica - crescimento de dois dígitos, mais de 250 milhões levantados da pobreza, acumulação de reservas -, mas à custa da factura do autoritarismo e da corrupção endémica nas esferas locais do partido.
"Não creio que o 4 de Junho tenha sido esquecido, mas sob a pressão do medo as pessoas não querem falar", afirmou, em Pequim, o escritor Yu Jie à agência Reuters. Cerca de 30 pessoas estão ainda a cumprir penas de prisão devido às suas actividades em 1989. Na terça-feira, a China bloqueou o acesso aos noticiários estrangeiros e interrompeu brevemente o acesso ao serviço de correio electrónico. Nas faculdades, há ordem para observar os movimentos dos estrangeiros e até os taxistas têm instruções para ter atenção a passageiros suspeitos que tenham por destino a praça.
Há vinte anos, segundo a Cruz Vermelha, morreram 2600 pessoas no massacre de Tiananmen. A contagem oficial do governo chinês aponta para 241 pessoas. Para o escritor Yu, a segurança é prova de que, mesmo com a economia a enriquecer o país, o regime sabe que as memórias continuam a ser um perigoso combustível político.
Bruno Faria Lopes, Jornal "i"
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