domingo, 12 de abril de 2009

Uma atitude colectiva, um desígnio comum

Paul Krugman: "O resultado foi melhor do que esperava nomeadamente um muito maior financiamento das instituições financeiras internacionais".
Daniel Gros: "São passos na direcção certa mas dependem da implementação. Vai demorar anos a organizar o sistema financeiro internacional".
Comunicado da Cimeira do G-20: “A era do segredo bancário terminou”.

A Cimeira do G-20 foi um diálogo entre os países industrializados e as economias emergentes, os quais estavam condenados a entenderem-se para que a crise económica global não se convertesse numa crise política global.

Os líderes conheciam bem os desafios, e sabiam que os actuais problemas são de todos, devendo ser concertada a sua solução, cumprindo o lema tão referido nos últimos tempos: "uma crise global exige medidas globais".

Os políticos europeus foram a Londres demonstrar que assumem a responsabilidade de definir os princípios orientadores para enfrentar uma crise de sistema, através de um novo consenso económico para o mundo, esquecendo contradições que minam as relações entre eles, e avançando para um pacote de estímulo coordenado globalmente.

Desta forma, pode-se dizer que a Cimeira provocou resultados, relançando e reforçando o multilateralismo.
Foi visível a valorização do modelo de mercado regulado sobre o mercado auto-regulado dos dogmas neoliberais, muito graças a Barack Obama que deixou bem vincada a sua posição dizendo não à "ausência de supervisão que nos condena a bolhas que inevitavelmente rebentarão". Era expectável esta preocupação com a regulação e supervisão. Mas esta regulação mais exigente vingou pelos contornos que assumiu, abrangendo "hedge funds" e agências de "rating" ou notação de risco (estas tão atacadas por terem falhado na avaliação do risco dos activos que estiveram na origem do colapso financeiro nos EUA), ou seja, instrumentos financeiros sistémicos que se encontravam sem regulação ou sob regulação pouco exigente. Neste âmbito, surge a criação de um novo órgão de supervisão financeira – Financial Stability Board (FSB) – que vem substituir o Financial Stability Fórum (FSF), com uma ampliação da sua composição e o do seu mandato, e com a adopção de regras duras sobre princípios de compensação salarial e sobre a responsabilidade social de todas as empresas. O FSB promete ser, de facto, uma verdadeira autoridade internacional de supervisão financeira, como se pode exemplificar, tanto pelo controlo que vai assumir dos bónus e das remunerações dos executivos, como pela sua função de monitorizar os paraísos fiscais (off-shores que geram evasão fiscal, fuga à supervisão, lavagem de dinheiro), sancionando os que não forem cooperativos.

No reforço das estruturas financeiras, deve-se dar atenção ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Este emerge como o novo garante do sistema económico global, monitorizando as economias e os riscos globais, de forma independente e equilibrada. Os seus fundos são triplicados para um total de 557 mil milhões de euros.

Deu-se, também, a devida importância ao comércio internacional, no sentido de combater o proteccionismo, através do compromisso dos governantes dos países em minimizar as medidas que tenham efeitos negativos sobre os seus vizinhos, notificar a Organização Mundial do Comércio (OMC) dessas mesmas medidas, e apoiar a indústria do comércio com 250 mil milhões de dólares, nos próximos 2 anos.

Uma preocupação com o ambiente fez também parte da ordem de trabalhos, com o intuito de preparar um novo enquadramento internacional, sendo estabelecido um novo acordo ligado ao ataque à ameaça das mudanças climáticas para chegar a um entendimento na Cimeira das Nações Unidas, marcada para o mês de Dezembro, em Copenhaga.

Defendendo um crescimento mais sustentável, ficou notória a ideia de ajuda aos países do terceiro mundo, com mais auxílio económico e segurança aos países e pessoas que correm mais riscos. Pretende-se que esta ideia seja efectivada através do perdão de dívida à África Subsaariana e do aumento da protecção social no mundo. Para além disto, foi feito um pedido à ONU para monitorar o impacto da crise nos países mais carenciados e ficou decidido que o ouro (que existe como reserva do FMI) será usado para juntar 4,5 mil milhões de euros para ajudar os países mais pobres nos próximos 2 a 3 anos.

Fazendo as contas, aproximadamente 3,7 biliões de euros estão planeados para combater a crise mundo fora, com um indispensável relançamento da procura. Com estes valores, o PIB mundial elevará 4%.

Podemos falar de um êxito nesta Cimeira, apesar de este só ser passível de mensuração passados 4 anos, aproximadamente. Para além disto, é preciso ter a noção de que há contracções que ainda se têm de sofrer para que a recapitalização possa seguir o seu curso. Ainda há muitas medidas impopulares e dolorosas a tomar pelos Governos dos diferentes Estados. Nesta linha, é preciso mencionar que a sociedade civil tem de se preocupar com o tipo de medidas aplicadas, e não tanto com quem as aplica, para que a dimensão social da crise deixe de existir.

Parece-me que se começa a traçar o caminho que proporciona a solução para a crise económica actual, pois, pelo menos, as bases de um novo sistema de regulação global estão lançadas, num consenso que não foi impedido por egoísmos nacionais. Considero ainda, que esta Cimeira cumpriu o papel de duas cimeiras anteriores que também fizeram história (Cimeira de 1933, em Londres, que desiludiu não cumprindo o objectivo de alcançar um consenso para combater a crise iniciada em 1929; e a Cimeira de Bretton Woods, em 1945, que foi um sucesso, pelo menos, até ao abandono do padrão-ouro em 1973, e que tinha sido convocada no sentido de regular o sistema cambial e monetário do pós-guerra).
Tendo como objectivos o relançamento do crescimento, uma nova arquitectura financeira global, reforço das estruturas financeiras, combate ao proteccionismo, novo acordo sobre o ambiente, e a promoção de um crescimento mais sustentável, esta Cimeira realçou que os líderes mundiais sabem bem que, no futuro, não se podem cometer erros como os que se cometeram, principalmente, os ligados à falta de regulação da globalização financeira; sabem que as autoridades reguladoras nacionais não têm condições para proceder a uma regulação/supervisão adequada, sendo essencial (e só assim faz sentido) exercer essa regulação a nível global com autoridades rígidas; e também aprenderam definitivamente a intensa ligação da economia americana com a economia mundial, porque foi mesmo na primeira que a economia começou a desabar e que conduziu à crise mundial, com a qual nos deparamos actualmente.

Antes da Cimeira, Barack Obama referiu:

1 – “De uma vez por todas, aprendemos que o sucesso da economia americana está indissoluvelmente ligado à economia mundial. Não há linha divisória entre as medidas para recuperar o crescimento dentro das nossas fronteiras e as que o sustentam fora delas”;
2 – “Se a Cimeira de Londres resultar numa atitude colectiva, poderemos fomentar uma recuperação segura e evitar crises futuras”.

Pois bem… acredito que esta atitude colectiva existiu durante a Cimeira e vai continuar a existir. Tudo isto para restabelecer um elemento essencial: a confiança. Elemento este que propiciará o regresso da estabilidade, com uma reabilitação do consumo e dos tecidos produtivos, e com a criação de empregos. No entanto, há que provar que existe uma verdadeira solidez dessa quantidade enorme de moeda injectada na economia real. Este sim, também é um factor primordial para ficar provado esse desígnio comum.

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